Abre-alas#7
Com o Big Brother Brasil na reta final, o momento parece propício para pensarmos um pouco sobre reality shows, para que servem e seus modos de uso. Às vezes mais, às vezes menos, o programa da Globo é um assunto inevitável nos primeiros meses do ano, independente de quem sairá vitorioso ou cancelado após os paredões. Na era do streaming, um formato da TV aberta tão assistido e lucrativo parece uma aberração ou um milagre. Pensar o reality hoje é pensar a própria televisão.
Nesta edição, você confere ainda a programação das atividades do mês na sede da ACASO CULTURAL, além da continuidade de nosso projeto de financiamento coletivo do livro Os corpos nus dos moribundos, de Emerson Maia.
E vamos ver se juntos a gente não chega onde quiser.
(Os textos são assinados ao final com as iniciais do colaborador – assim, no meu caso a assinatura fica AP.)
Em tempo: No Domingo de Ramos, com a prisão dos irmãos Brazão e o delegado Rivaldo Barbosa depois de mais de seis anos, a promessa de ressurreição da Páscoa pôde ser anunciada novamente em plenitude. Há esperança à vista; Marielle e Anderson vivem e a justiça, afinal, poderá ser feita. Nas palavras de Nelson Cavaquinho e Elcio Soares “o sol há de brilhar mais uma vez… quero ter olhos pra ver a maldade desaparecer.” O dia desse juízo final está chegando.
Boa leitura!
Alexis Parrott - Editor ✅
Reality Show: fazemos qualquer negócio
Aqui se vê, aqui se paga.

Já lá se vão mais de 50 anos desde que a semente foi lançada. Em janeiro de 1973 estreava o primeiro reality show, An American family, atração que durou 12 episódios levados ao ar pela PBS, a TV pública dos EUA. A ideia de observar o cotidiano real de uma típica família de Santa Barbara na Califórnia foi verdadeiro pulo do gato na história do broadcast e sua influência se mantém até hoje, com a cristalização do gênero em um dos mais longevos e populares da televisão.
Outro grande salto (no final dos anos 1990) foi a ideia de unir confinamento e competição, criando um novo formato no universo dos realities. Ao aliar a antiga matriz - que se propunha como documento jornalístico - ao game show, a mágica se fez e o Big Brother foi o fiat lux dessa nova etapa. Daí em diante, testemunhamos a transformação de programas em franquias transnacionais em que o engajamento interativo do público se tornou regra e medida, turbinadas pelo advento das redes sociais.
Se alguns realities de competição ainda se preocupam em sagrar alguém campeão devido a alguma expertise (como os de culinária, canto ou moda), prescindir de talento parece ser a norma para vencer ou até mesmo garantir uma vaga em tantos outros.
Entretanto, mesmo esses, baseados em habilidades, não conseguem escapar da lógica dos programas que acompanham o cotidiano dos protagonistas. Com ou sem prêmio, o objetivo principal de um reality é sempre o mesmo: reforçar a celebridade dos participantes ou transformá-los em celebridades. No final, tudo vira produto embalado para comercialização em grande escala.
Saídos da fornalha de vaidades do BBB há alguns anos, Juliette e Gil do Vigor são casos que comprovam a tese. O mercado se apaixonou pelos dois - que já anunciaram de iogurte a cerveja e de chocolate a maquiagem. Enquanto Gil virou garoto propaganda de banco e foi convidado até para se candidatar a vice-governador em Pernambuco, o rosto da agora cantora foi colocado (à revelia da própria) até em trouxas de maconha comercializadas no Rio de Janeiro – a exemplo do que já acontece hoje com Davi, o provável vencedor da atual edição. Todos os três ultrapassaram o status de personalidade e se tornaram commodities.
Sem perceber, enquanto assistimos ao programa e votamos pela saída ou permanência dos concorrentes, já estamos passando de espectadores para consumidores. Somos fregueses inconscientes de um balcão de loja de departamentos onde cada pessoa, prova de resistência ou dinâmica do sincerão só tem sentido enquanto instância monetizável, tanto faz quem ganhe ou perca a disputa.
Afinal, o que é o Big Brother?
De experimento sociológico iniciado na TV holandesa, o formato ganhou o mundo para se tornar outra coisa, muito além do que podia imaginar a produtora Endemol Shine, sua criadora. Brincando com o voyeurismo do público, o programa foi pioneiro para o bem e para o mal, tanto pela experimentação de linguagem na televisão quanto pela criação instantânea de subcelebridades.
A versão brasileira teve um início inesquecível em janeiro de 2002, com a primeira prova de resistência. Se você pensou em algo cheio de traquitanas com cenários gigantes destacando a marca de um patrocinador, esqueça. Os 12 concorrentes deveriam apenas se amontoar dentro de um carro e quem conseguisse permanecer ali por mais tempo faturava a liderança da semana e o automóvel.
Após um zoom out da câmera, ficamos assistindo ao vivo àquela imagem fixa dos participantes dentro do carro, com o áudio ligado, por longos minutos que pareceram séculos - para só então a marca da Endemol e da Globo ganharem a tela, encerrando a transmissão da noite.
Da mesma forma, também marcaram época as entradas na madrugada, durante a programação, mostrando os participantes dormindo. Os tempos mortos finalmente entravam no ar, subvertendo a lógica professada pela TV, principalmente após os frenéticos anos 1980 e 1990. Há bastante tempo este tipo de rasgo de invenção deixou de ser o foco da direção do programa, que passou a incentivar com cada vez mais força a fofoca e a discórdia como iscas para a audiência.
Após sucessivas (e não raro frustradas) tentativas de revitalização de um formato desgastado ao longo dos anos, Boninho e sua equipe de boniminions e dummies pareciam ter acertado a mão. Uma nova abordagem trouxe para o programa influenciadores e artistas misturados aos ilustres desconhecidos de praxe. Embora quatro anos depois o expediente apresente sinais de cansaço, naquele momento o rebento de Boni havia entendido qual era a essência do programa: a busca pela fama.
Se na origem não era isso, não importa mais, porque o BBB se tornou na prática um trampolim efetivo para um certo tipo de reconhecimento popular, antecipando em mais de uma década o que as redes sociais trouxeram. Hoje, um meio se alimenta do outro em recíproco exercício parasitário. Quem sai do programa ganha seguidores, assim como quem já os possui passa a ter chance de entrar.
Perseguir uma carreira artística nem é o que mais desejam as almas dispostas a mergulhar na roleta do Big Brother. Se antes o programa era visto como veículo para a realização de algum sonho, agora o sonho passou a ser a simples chance de entrar na tal casa mais vigiada do Brasil. Grande parte dos concorrentes sabe que não tem chance de ganhar o prêmio milionário - mas isso pouco ou nada significa. Outras portas podem ser abertas e outras fontes de renda estão ali para serem conquistadas. Enquanto a maioria dos ex-BBBs vai se virando mesmo é com os cachês de presença VIP em festas e eventos, o verdadeiro problema surge quando passam a engrossar as fileiras de instagramers, youtubers e tiktokeiros. Dão opiniões sobre tudo, distribuem conselhos sobre o que não entendem e vendem produtos que não usariam.
Como se salvar desse paredão?
Dedicando-se a produzir versões construídas da realidade apresentadas como verdade (o famoso “tá tudo gravado, o Brasil tá vendo”) e alegando, ainda que implicitamente, estar sob o manto sagrado do documentário, os inúmeros formatos de realities à disposição por aí tentam justificar o injustificável e trazem à tona questões que tensionam as fronteiras da ética.
Se perdemos a capacidade de distinguir o público do privado e a ficção da realidade; se nos divertimos com o assédio moral indiscriminado; e assentimos com a banalização da noção de talento, é necessário admitir que algo vai muito mal - talvez sintoma de um tipo de involução. No território superpovoado de telas que se tornou o planeta, quanto mais interativa a programação, menos importa nossa opinião. No streaming a equação parece ser mais cruel ainda: eliminado o intervalo comercial, tudo é publicidade ou está à venda.
Da ágora grega onde se criou o conceito de cidadania, fomos jogados para trabalhar na linha de montagem das fábricas e depois para o interior dos shopping centers. Agora vivemos e consumimos sem precisar sair da frente das inúmeras telas, incapazes de diferenciar umas das outras. Das Kardashians aos BBBs; de peões às modelos e drags superstar; de cozinheiros e cantores às real housewives, aqui se vê, aqui se paga. No ecossistema do reality show não há espaço para a inocência. (AP) ✅
Para conferir:
Introdução do primeiro episódio do reality pioneiro An American family (1973), no site da PBS.
Enquanto isso… em Chamberlain, Maine
Carrie, a estranha completa 50 anos. O livro de estreia de Stephen King comemora meio século de existência ainda vibrante, significativo e - o que é um feito - com a reputação ilesa, apesar das continuações e remakes cometidos após o filme original de Brian de Palma também ter feito história em 1976. (AP)✅
Agenda Acaso Cultural
Este mês na sede da Acaso
EVENTOS
06 de ABRIL | sábado | 16 às 19 horas
RODA de CHORO (todo primeiro sábado do mês)
Entrada franca
com Maria Souto (flauta); Fabio Nin (violão de 7 cordas); Bernardo Diniz (cavaquinho) e Bidu Campeche (pandeiro/percussão)
com serviço de bar disponível
20 de abril | sábado | 19 horas
DO QUE FALO QUANDO FALO de poesia (Ano II)
Entrada franca
Com a presença das poetas Beatriz Malcher (RJ, autora de Sophia Loren não liga pro futuro [2023], entre outros) e Gabriela Perigo (RJ, autora de A saga [2022], entre outros).
(Curadoria de Daniel Massa e Gabriel González)
SABERES E FAZERES | Cursos e oficinas presenciais
SEMPRE ÀS TERÇAS | 10 às 12:30 horas
Curso de Bordado
com Maria Fernanda Carvalho
Aulas avulsas ou Pacote mensal
Outras informações:
acasocultural@gmail.com
A sede da Acaso Cultural fica em Botafogo, no Rio de Janeiro, em um casarão restaurado do início do século XX. Em breve, contará ainda com um anexo especialmente projetado para receber eventos variados – música, teatro, palestras, simpósios, congressos. É um espaço multiartístico completo, com hall de exposições, salas de aula, espaços para coworking, um ponto de venda de livros, revistas, discos, CDs, e outros objetos de arte e cultura relacionados ao acaso.
Venha nos conhecer, estamos na Rua Vicente de Sousa 16, Botafogo, Rio
Acaso indica
La Chimera
Direção: Alice Rohrwacher - Itália/2023
Aplaudido durante 13 minutos no Festival de Cannes de 2023 e indicado a 13 categorias do David di Donatello deste ano, La chimera é a última peça de uma trilogia inspirada na tradição italiana das fábulas (iniciada com As maravilhas, de 2015, e Lazaro Felice, de 2018). Os 7 anões não trabalham mais na mina de diamantes, são agora tombaroli - saqueadores de tumbas etruscas em busca de relíquias arqueológicas. O novo Mestre do bando (Josh O’Connor, o jovem Príncipe Charles de The Crown) é um inglês com poderes sobrenaturais, perdido em solo estrangeiro e desnorteado por conta de um amor perdido. Talvez sua única chance de redenção seja Itália (a nossa Carol Duarte, em sensível performance), brasileira e subempregada em uma mansão aristocrática decadente, liderada por uma Isabela Rosselini envelhecida (mas luminosa). Em um tempo áspero e desafortunado, enquanto os italianos mentem e o inglês não consegue encontrar uma luz que o guie, a última reserva ética acabará sendo justamente a imigrante ilegal. Promovendo um encontro assumido entre a fantasia felliniana e o neorrealismo de De Sica, a diretora - de voz e visão singulares - finca novamente os pés no passado, mas sonhando com saídas para um país (mundo) pobre de recursos e miserável de alma. (AP)✅
Estreia nos cinemas em 25 de abril
Campanha de financiamento coletivo Acaso
do premiado autor mineiro Emerson Maia, uma dança macabra para nossos tempos.
Um idoso encontrado morto em seu apartamento; irmãos que assassinam irmãos e pais que matam por suas filhas; sangue derramado por vingança, sangue derramado por maldição, sangue derramado por acaso… um jogo de fragmentos para narrar a constante multiplicação dos (esquivos) sentidos da Morte.
Nas ladeiras de Araribá, raiava outra manhã suorenta de um agosto que nunca chegava ao fim. Começava, pois bem, a cair uma chuva miúda, dessas, assim-assim, que não parecem que irão durar muito tempo, mas que são capazes de ensopar as roupas e, toda vez que surgem mancomunadas com ventanias endiabradas, excepcionalmente aptas a levar pelos ares revoadas de homens franzinos.
Conheça mais sobre o livro e participe do projeto ✅
Rápidas e rasteiras
A entrevista para o Fantástico de Wilma Petrillo e Gabriel Costa Penna Burgos, respectivamente viúva e filho de Gal Costa, entra para a história da TV brasileira como o dia em que a Globo virou SBT de vez. O depoimentos conflitantes entre os herdeiros da cantora, editados em paralelo e exibidos em rede nacional, são dignos de integrar um episódio do extinto Casos de família da emissora de Silvio Santos. Ambas as partes buscam o apoio da opinião pública para a sua versão da história, enquanto Gal só merecia poder descansar em paz. (AP) ✅
Denunciado pelo New York Times, o flagrante da passagem de Bolsonaro pela embaixada húngara revela a trama provável de uma rota de fuga para evitar a prisão cada vez mais inevitável do ex-presidente golpista. Como a embaixada não é AirBnb e nem Viktor Orbán um superhost, é fácil entender a importância do furo - verdadeiro baile do NYT em toda a grande imprensa brasileira. Faz lembrar o filme dirigido por Henfil, Tanga – deu no New York Times (1987), em que o único meio de informação de uma republiqueta de bananas era a edição diária do jornal novaiorquino. (AP) ✅